sábado, 22 de fevereiro de 2014

Cabem três vidas inteiras

Daí que eu ganhei um quarto novo.

Ano passado meu banheiro estava com um problema de vazamento e precisou de uma reforma considerável para resolver o problema, e esse problema estava afetando diretamente o meu quarto, lotando uma das paredes de infiltração e consequentemente arruinando a parte de trás dos meus armários... Por conta da mudança no banheiro meu pai acabou pintando as paredes do meu quarto (e eu finalmente me livrei daquele rosa meio fúcsia que já estava me dando nos nervos), e com boa parte do fundo dos meus armários impregnada de mofo, foi definida que a próxima mudança seria a de móveis, até porque com três pessoas que tem rinite numa casa, manter dois armários com fundos mofados não é a melhor idéia do mundo.

A reforma acabou ano passado mesmo, graças a Deus e antes mesmo do natal meu pai - aquele lindo - já estava com alguns orçamentos e vários projetos pro meu quarto cuidadosamente separados numa pastinha, esperando a metódica avaliação dele. Todo mundo se animou, idéias e mais idéias surgiram, papai fechou um projeto legal com o marceneiro do bairro e... Pronto! Passaram-se as festividades, acabaram-se as férias, o horário de verão continuava enchendo o saco e a rotina recomeçou. E daí que semana passada os móveis ficaram prontos e eles vieram instalar tudo, eu precisei esvaziar meus armários, minha escrivaninha, ensacar tudo e superlotar o quarto dos meus pais com todas as minhas tralhas... Mas não foi disso que eu vim falar, eu vim falar sobre os móveis... A cama que rangia e os armários com o fundo mofado. Esses móveis "antigos" estão comigo desde antes de eu me formar no colegial e nisso já se foram quatro anos, então esses móveis já viram meus pôsters de bandas de pop rock, minhas figurinhas de álbum do Harry Potter, meus jogos de playstation dois, viram minhas malas e seu conteúdo sendo jogado para dentro delas quando eu fui pra Dublin, viram minhas malas e o mesmo conteúdo - ou quase - sendo organizado lá dentro de novo oito meses depois, nas portas dos armários eu rabisquei meu nome, alguns dos meus quotes preferidos, colei as mesmas figurinhas de HP, tive meus melhores amigos escrevendo mensagens de boa viagem e aproveite antes de eu partir... E eu me dei conta de tudo isso numa quarta feira à tarde quando eu tava terminando de tirar as fotos de lá de dentro, quando passei o dedo pela escrita de pessoas que fizeram parte de alguns dos meus dias mais felizes.

E que valor a gente dá pra isso? Quantas vezes olhamos pro armário velho desejando um novo e esquecemos de olhar como aquele armário, aquelas prateleiras lotadas foram cenário de tantos atos da nossa vida? Me dar conta disso esvaziando meu armário velho me deu uma baita duma nostalgia, e eu não consegui não relembrar os últimos cinco anos e como eu mudei com eles, como até meu armário mudou com o tempo, devido ao uso, devido aos rabiscos, devido ao conteúdo... Agora eles estão na garagem e vão virar estantes, mesmo com o fundo mofado ainda dá pra reutilizar, mas não é a mesma coisa. Agora minhas roupas estão dentro de um outro armário, minhas maquiagens, meus livros, meus cadernos, minhas coisas... Esses pequenos fragmentos de mim agora compões um quarto diferente, um cenário diferente e Deus sabe o que eles vão presenciar daqui pra frente. Não me levem a mal, eu gostei do meu quarto novo e estou muito feliz com ele, mas não consigo não pensar no armário antigo, em quantas vezes eu bati as portas e gavetas com raiva, quantas coisas eu já não joguei lá dentro para não verem seja qual fosse o motivo, quantas coisas eu já guardei e já joguei fora por perderem o sentido, quantas vezes eu olhei para as fotos e pôsters e me senti feliz... Engraçado como eu nunca pensei nisso. Engraçado como o tempo parece passar tão devagar, mas quando olhamos para trás percebemos tudo como se tivesse acontecido num piscar de olhos.

Eu gosto dos meus móveis antigos, fico feliz de poder tê-los e reaproveitá-los por mais algum tempo, mas agora meus armários não são mais meus armários, as minhas roupas e os pedaços de mim de agora tem outra morada, o cenário da minha vida deu uma renovada, mas é bom revisitar o passado e alimentar a saudade na garagem, só que não vou passar o resto dos meus dias lá, é preciso seguir em frente, é preciso não só querer as mudanças, mas abraçá-las e conviver com elas, a gente sempre pode guardar o passado na garagem ou numa gaveta, mas a renovação é necessária, é bem vinda e é linda. É linda sim.

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